Detive-me
em não escrever sobre as manifestações ocorridas na grande parte do Brasil, ao
menos, enquanto elas experimentavam seus momentos mais tensos e com maior
número de adesões. Esta “inércia” não
foi para prevalecer-me da máxima: ser
inteligente depois é mais fácil. Ocorre, entretanto, que a análise
dos fatos no calor de seus acontecimentos e da emoção prejudica a interpretação
que se pretende fazer sobre os fatos. Antes, porém, procurei ler aqueles que,
afeiçoados a produzirem artigos diariamente, dado a necessidade do trabalho ou
a um alto grau de amadurecimento intelectual, já tinham algo a dizer.
Observei
teorias bem díspares, como por exemplo, que os manifestantes foram utilizados
como massa de manobra por grupos políticos interessados em desestabilizar o
governo federal, por conta das eleições presidenciais de 2014. Ao contrário,
outros diziam que o movimento foi apartidário, daí a hostilidade com aqueles
que empunhavam bandeiras de partidos. Um dos líderes do MPL – movimento pelo
passe livre – disse em entrevista recente que vários partidos políticos
participaram das primeiras iniciativas de convocação das massas para protestar
contra o aumento das tarifas em São Paulo, e, portanto, não era justo
hostiliza-los agora.
Não menos
importante foi a afirmação de que as manifestações começaram por idealizadores
esquerdistas, a fim de culpar a direita pelas violências. Esta última afirmação
converge, em parte, com o que disse um dos representantes do MPL: “vários
partidos políticos participaram das primeiras iniciativas de convocação das
massas...”. Se partidos estavam por traz desses movimentos, propriamente dito,
ainda é temerário afirmar; contudo, a Folha de São Paulo produziu matéria que
revela que a polícia secreta da PM (P2) de São Paulo descobriu a participação
de integrantes do PSOL no recrutamento de punks para promoverem a quebradeira e
a baderna durante as manifestações. E o Foro de São Paulo, tem alguma relação com esses
movimentos populares? Também há aqueles
que
pensam que sim.
Bem,
percebam que as opiniões são bem dessemelhantes, o que pode significar muitas
coisas ou muitas intenções. Por exemplo, pode ser que todas as afirmações sejam
verdadeiras? Pode ser que somente algumas sejam verdadeiras? Pode ser que
muitas dessas opiniões estejam recheadas de elementos plantados com o objetivo
de alienar, ora grande parte da sociedade que está assistindo a tudo isso, ora
para alienar a massa de manifestantes. Intuam que nenhum lado é totalmente bom
e nenhum lado é totalmente mau. Todos têm seus interesses e a imprensa
brasileira, historicamente, está longe de ser neutra. Ao contrário, é mesquinha
e comercializada. Não vejo, na grande parte da opinião pública, interesse em
educar, em ensinar, em discutir. Até porque faltam-lhe conteúdo ou independência. Mesmo aqueles que mantém uma
posição mais progressista são, amiúde, pedagogicamente soberbos.
Este tema
e as análises que se faz sobre ele, me fazem lembrar de um movimento
historiográfico conhecido como escola dos Annales (1929), o qual pretendia
incorporar métodos das ciências sociais à análise da história. Em síntese,
conjecturava substituir o tempo breve, factual, da história, pelo processo
demorado, mais longo, a fim de entender com mais propriedade, dentre outras
cousas, as mentalidades, privilegiando
os métodos pluridisciplinares. Embora não seja tarefa fácil, requer um
exercício intelectual e mental diário e constante, para entender a “evolução” das
mentalidades, como método de estudo e
observação a fim de compreender determinados processos políticos e históricos.
Vou
tentar ser breve neste textículo. Há na nação brasileira, não uma, mais várias
demandas reprimidas. A falta de um líder, de organização do povo, a ausência de
uma pauta série de projeto e discussão para o futuro do país, o aumento do uso
de drogas pelos jovens, tanto das proibidas como das permitidas, que os retiram
da realidade na qual estão inseridos, e o desinteresse da política pelos
mesmos, e, em especial, pela mulher, são sintomas, a priori, de um povo
alienado. Afirmei em um artigo que todos nós somos inseridos
numa sociedade alienante, e para que possamos nos libertarmos precisaríamos ser
divergentes e dissidentes organizados para um determinado fim. Mas para isso
temos que entender o que está acontecendo e sabermos o que queremos.
A identidade brasileira é difusa, e
ainda procura se afirmar. Um elo, por mais artificial e frágil que seja, diante
de tantas demandas, é capaz de conduzir o povo para manifestações como essas. A
internet representa, hoje, no Brasil, a cabeça da liderança que nos falta. É a
ela que o povo se socorre, é nela que o povo se abriga, se organiza e se
orienta. Nos falta um líder. E também falta “cultura” para a maioria da
população. Este foi o país que inventaram, foi assim que quiseram nos
construir. O nosso líder é virtual.
O Brasil
de hoje ainda tem muito do Brasil observado por Gilberto Freyre, o qual foi
forjado entre escravos e senhores que, apesar da relação tensa, servil e
violenta, se desenvolveu sem grandes confrontos ou reações, e, segundo alguns,
até com “aspectos de doçura”. Em que pese a tentativa de alguns historiadores
de superestimarem algumas rebeliões ou alguns movimentos regionais, acreditando
com isso, que estão dando uma contribuição à autoestima do brasileiro. Quanta
estupidez, Estão, na verdade, invertendo a lógica da inteligência, ao valorizar
o otimismo em detrimento do realismo. Não se muda o que não se conhece. Se,
determinados movimentos do passado tivessem a grandeza que se pretende dar, o
Brasil de hoje seria outro. Perdemos nossa maior chance entre 1831 e 1840.
Ninguém fala isso, mas é verdade. As elites regionais e a nacional poderiam ter
selado um pacto em torno de um grande projeto, e ter ficado sem D. Pedro II.
Até hoje nossa elite é leniente, anêmica e vendida. É por isso que o jornalismo
em geral e em especial o da Rede Globo, devem ser observados com cautela. Em
regra, alienam mais ainda. Quando afirmam que a maioria dos parlamentares são
honestos e que a improbidade e o desleixo com a coisa pública são deformidades de
uma minoria, estão prestando um desserviço à nação. Ora, igualmente eu afirmo:
se fossem de uma minoria, hoje o Brasil seria outro.
Esses
ingredientes, somados à herança cultural ideológica do final do século XIX, ajudaram a forjar esse Brasil
que caminha a passos retraídos. A partir do final do XIX, essa herança partiu
dos intelectuais, na sua maioria, brasileiros, que estavam repensando o Brasil
desde nossa entrada na recente república e alinhados a uma teoria europeia de
inviabilidade do Brasil como nação, devido sua mestiçagem. Repito, não daria para explanar e discutir esse assunto aqui. O fato é
que se dizia que os germanos, eslavos e saxões caminhavam para o progresso; os
celtas e latinos mostrariam decadência e os portugueses seriam um povo
inferior, estando atrás somente os negros e índios. A partir daí, ratificou-se a teoria do
servilismo do negro, da preguiça do índio e do gênio autoritário e tacanho do
português; que produziria uma dependência cultural e psicológica no brasileiro, devido à
mistura de raças - da qual foi produzida uma nação monótona e sem qualidades
fecundas e originais.
Pois bem,
estampado esse panorama de dependência cultural e psicológica que tentaram
forjar, e em certa medida conseguiram, daí nossa passividade, só me resta
concordar, em parte, com a maioria: o Brasil das ruas dessa última semana não
representou um movimento organizado e crítico, que sabia o que queria e o que
buscava concretamente. Mais isso não é tão importante, diante das
possibilidades que se abrem, e porque na síntese de seus gritos se clamava por
justiça. Por um Brasil menos desigual.
Durante
muito tempo a imagem do Brasil foi comparada à de uma baleia encalhada.
Hoje, contudo, vejo que houve evolução: o Brasil que doravante se apresenta
metamorfoseou-se em uma serpente sem
cabeça, que “corre” ou “rasteja” em disparada, sabe lá para qual
direção, serpenteando a cauda ou o rabo. Logo, caro leitor, eu gostaria de
dizer que, apesar de toda a alienação, a maioria dos brasileiros foi movida por
um sentimento idêntico de revolta e repulsa com o status quo. Mais lamento dizer, que esse movimento
só serve para dar um frescor na vida daqueles que vivem na miséria: novas
políticas assistencialistas vão surgir. Isso é bom para a coletividade
miserável, mas não para você, não para o país. Porém, não se frustre, és um
engajado. Se você quiser mudar a sua vida, estude e salve-se! Se quiser mudar o
país, ah... Precisaria de alguns milhões iguais a você. E ainda assim não seria
o suficiente, vocês precisariam dar as mãos, interagir no sistema, sem ser
absorvidos por ele. Lembram dos caras pintadas? Collor saiu, embora tenha
voltado, mas José Sarney, Renan Calheiros, parte do grupo dos mensaleiros e
tantos outros ficaram. A alienação é coletiva, mas o engajamento é individual.
Parabéns!
Comentários
Postar um comentário
Obrigado pelo contato, em breve retornarei.