A
região norte, sobretudo a área ribeirinha, guarda contornos sociais, políticos
e culturais que chocam as pessoas de bem, e limitam a capacidade de agir. O
mesmo se poderia dizer de outras áreas da federação, sim, talvez, como o
nordeste por exemplo. No mês passado, em 28 de agosto, se comemorou o Dia
Nacional de Combate e Prevenção ao Escalpelamento.
Não houve festas, pelo menos para as vítimas desse infortúnio.
Desde 2007 que tramita na Câmara dos Deputados federal algum tipo de projeto,
indicação ou ementa versando sobre o assunto, porém, timidamente, somente dois
foram transformados em Lei: PL 1531/2007 e PL 1883/2007. O primeiro, dois anos depois, tornou
obrigatório o uso de proteção no motor e eixo das embarcações em todo
território nacional, o segundo, três anos depois, instituiu o Dia Nacional de
Combate e Prevenção ao Escalpelamento.
Parece-me,
pelo visto, que os deputados e senadores não perceberam a importância e a
gravidade da causa. Debruçam sobre seus próprios interesses, enquanto a
sociedade ziguezagueia com o pires não mão, ora no judiciário, ora na
defensoria pública, ora na promotoria, ora nos gabinetes dos secretários
municipal ou estadual. O poder legiferante tem transitado do legislativo para
outros poderes, devido à inércia de nossos legisladores.
Com
a desativação do garimpo de Serra Pelada (Pará), muitos motores utilizados no
garimpo foram adaptados em embarcações ribeirinhas, trazendo perigo a centenas
de milhares de pessoas que dependem economicamente da natureza em que vivem e,
têm as embarcações como o seu principal e único meio de transportes.
O
eixo do motor fica à mostra, fazendo o movimento de rotação numa velocidade tão
rápida, que quando um cabelo cumprido encosta no eixo, ele é capaz de arrancar
o couro cabeludo, sobrancelhas, orelhas, deformar nariz e boca de uma pessoa. E
assim tem sido, já são quase 200 casos de escalpelamentos catalogados, na maior
parte crianças. A fiscalização é muito ruim. Conforme dito acima, o PL
1531/2007 transformado na Lei Ordinária 11970/2009, tornou obrigatório o uso de
proteção no eixo do motor; é o que tem feito diminuir os casos de
escalpelamento. O sofrimento é intenso e dura toda a vida. As pessoas,
sobretudo mulheres que passaram por isso, não têm uma vida normal, além das
constantes dores, tem a questão da estética, o cabelo nunca mais cresce.
Esse
contexto mostra a importância de uma ação mais eficaz para dirimir os problemas
e sofrimentos dessas vítimas do “acaso”. A Defensoria
Pública da União se mobilizou para dirimir esses efeitos e a incidência
desse tipo de acidente, trabalhando na prevenção e orientação. Muitos são os
agentes envolvidos nessa causa e os resultados têm sido positivo. Mutirões
foram feitos, algumas poucas dezenas de cirurgias foram realizadas no Pará.
Mais ainda é pouco, falta transformar em Lei o PL
1879/2007, que dispõe sobre a Seguridade Social, cirurgias reparadoras e
direitos trabalhistas às vítimas de escalpelamento nos acidentes com eixos dos
motores de embarcações em todo o Território Nacional.
Até
agora, em termos de benefício o máximo que conseguiram foi receber o seguro
obrigatório de danos pessoais causados por embarcações ou suas cargas (seguro
DPEM), faltam cirurgiões especialistas em reparação de orelhas, ausência de
procedimento dessa natureza na tabela do SUS. O escalpelamento total foi
equiparado à invalidez permanente, mais somente para efeito do seguro DPEM. O
legislativo federal precisa dar uma resposta à altura do problema, enfrenta-lo
e resolvê-lo. Essas medidas têm seu mérito, porém, algumas são paliativas e não
resolvem o problema das vítimas de escalpelamento, que por sinal, são na maioria
dos casos muito jovens. É preciso punir com prisão o responsável pelas
embarcações sem proteção no eixo e que causem vítimas. O parágrafo 2° do artigo
4° da Lei
9.537/97 dispõe que nos casos de reincidência a multa será multiplicada por
3, a embarcação apreendida e a licença cassada. E o parágrafo 3° não exime o
infrator das penalidades penais cabíveis. Na prática o parágrafo 3º da referida
lei nunca é aplicado.
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